Depois de mais de três horas e meia de debate, a Assembleia Legislativa aprovou na noite de terça-feira, 31, o Projeto de Lei 211/2021, que autoriza a privatização da Companhia Rio-grandense de Saneamento (Corsan). A proposta recebeu 33 votos favoráveis e 19 contrários. Os dois deputados com veiculação à região Alto Uruguai, Gilberto Capoani (MDB) e Paparico Bacchi (PL), votaram sim ao projeto do executivo gaúcho.
Primeiro Estado do Brasil
De acordo com o governador Eduardo Leite (PSDB), a privatização da estatal representa um ‘novo passo’ no que ele classifica de ‘processo de modernização do RS’. “A população quer ter saneamento e a garantia de abastecimento de água com qualidade, o que lamentavelmente não tem tido condição em volume suficiente para coleta e tratamento de esgotos nos municípios. Atendendo ao Marco Legal do Saneamento, decidimos privatizar a Corsan. Somos o primeiro Estado brasileiro a fazer a privatização da companhia estatal”, afirma.
R$ 10 bilhões
De acordo com o governador, o objetivo da desestatização é preparar a empresa para cumprir as novas exigências do Marco Legal do Saneamento, ampliando a capacidade financeira para dar conta de investimentos de R$ 10 bilhões em 12 anos. Com a normativa, diz Leite, os municípios e as concessionárias agora têm a obrigação legal de, até 2033, tratar 90% do esgoto e levar água tratada a 99% da população. Ele ainda ressalta que o processo de privatização deve acelerar obras, movimentando a economia, a construção civil e a geração de empregos. “A nova Corsan que nascerá deste processo será uma companhia com maior capacidade de investimentos e financeira para participar do mercado de saneamento básico, uma empresa capaz de competir com plano de investimentos audaciosos”, enfatiza Leite.
Regionalização postergada
O Piratini garante que seguirá conversando com prefeitos para aprimorar os demais projetos de formação de blocos regionais. O secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos Júnior, lembra que as metas impostas pelo novo Marco do Saneamento devem ser cumpridas por todos os municípios brasileiros. “E não é diferente para as 497 cidades gaúchas. Por isso, acabamos postergando a discussão dos projetos que tratam da regionalização, para que em conjunto com os municípios a gente mude a lógica do Estado”, disse Lemos.
Jurídico da AMAU pede cautela
Apesar da efusiva celebração do Piratini, a reação nas prefeituras é de cautela. Um dia antes da votação do projeto pela AL/RS, a Famurs, em encontro que reuniu mais de 320 municípios, havia solicitado o que chamou de ‘tempo razoável’ para amadurecer posição, sustentando que os prefeitos ainda não estariam aptos para se posicionarem favoráveis ou contrários à privatização, diante da complexidade do tema.
No Alto Uruguai, dos 32 municípios da AMAU, apenas 19 possuem contratos vigentes e válidos com a Corsan. Em entrevista ao Bom Dia, o assessor jurídico da entidade, Maicon Girardi Pasqualon, explica que o poder Executivo foi autorizado a efetuar a cessão aos Municípios de 38 milhões de ações da Companhia (aproximadamente 12,4% do total), proporcionalmente à participação de cada Município no faturamento da Corsan em 2020 (ou seja, quanto mais economias ativas junto da companhia, maior a “fatia” oferecida).
Entretanto, pontua Pasqualon, estrategicamente (para preservar o próprio marketshare da Companhia e manter seu valor para o IPO), o projeto também condicionou o recebimento das ações à assinatura de aditivos contratuais que permitam a prorrogação dos prazos dos contratos vigentes até 2060 (cada ano a menos de 2060 diminui 2,5% do que o município teria a receber), além de incluir cláusulas previstas no Novo Marco do Saneamento cuja inclusão é obrigatória até 31 de março de 2022, sob pena de se considerar inválido o contrato. “Em verdade, segundo o aspecto jurídico, a assinatura desse aditivo - que o projeto de lei chamou de “Termo de Rerratificação” – é necessário para que sejam mantidos os contratos vigentes com a companhia, já que a Lei n. 14.026/20 determina que haja anuência com a alienação das estatais prestadoras de serviços de saneamento pelos Municípios que possuam contratos vigentes com essas companhias”, completa o advogado.
Pasqualon, porém, lembra que os prefeitos devem ficar atentos: o IPO da Corsan pode não ser bem-sucedido. Nessa hipótese, as ações cedidas aos municípios retornam ao Poder Executivo do Estado, mas a prorrogação do contrato que for assinada continua vigente, mantendo a Corsan como prestadora, ao menos até que se busque a nulidade do contrato. “O que está se propondo, em suma, é um ‘presente quebrado dentro de uma embalagem bonita’, conferindo aos municípios um pequeno ressarcimento de valores para que mantenham a Corsan respirando caso o IPO não seja bem-sucedido”, avalia o especialista, que completa: “Para tentar viabilizar uma forma diferente de enfrentar os desafios impostos pelo Novo Marco do Saneamento, estamos trabalhando na AMAU para a constituição de um Consórcio Intermunicipal de Saneamento da região, mediante o qual poderemos trazer soluções para os Municípios que hoje possuem contrato e, também, para os que não possuem contratos vigentes com a Corsan”.
Hoje, a sugestão da assessoria jurídica da AMAU, acompanhando a esteira do que expôs a Famurs, orienta que os municípios não assinem qualquer termo proposto pelo Estado antes que o tema seja avaliado em conjunto – o que, conforme Pasqualon, tem como intuito fortalecer a união e a procura por soluções unitárias.
Para Erechim, situação não se altera
Conforme o prefeito de Erechim, Paulo Polis, a privatização da estatal não influencia a posição do governo municipal, que já entrou com pedido de reconsideração junto ao gabinete do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Alcir Lorenzon, solicitando autorização para que seja dado prosseguimento à concorrência pública, que prevê a concessão do serviço na Capital da Amizade (licitação da qual podem participar empresas públicas e privadas de todo o País, inclusive, a própria Corsan).
De acordo com o procurador jurídico do município, Daniel Grossi, prefeitura de Erechim e a Companhia de Saneamento do Estado não tem contrato válido, sendo o serviço prestado por força de decisão judicial.
Você sabia?
Os parlamentares também aprovaram, com 32 votos favoráveis e 18 contrários, uma emenda, protocolada pelo líder do governo, deputado Frederico Antunes (PP). Com a emenda, o Estado fica obrigado a destinar no mínimo 5% do montante líquido obtido com a privatização para projetos de infraestrutura urbana, rodoviária e rural. Além disso, a emenda autoriza o Piratini a ceder até o total de 63 milhões de ações da Corsan aos municípios que firmarem o Termo Aditivo de Rerratificação do Contrato em até 90 dias após a sanção da lei, ampliando de 6% para 10% a contrapartida pela prorrogação dos contratos.