Durante mais de 15 anos pesquisadora e família moraram no local e fizeram de tudo pela sua preservação
Ao falar sobre o triste destino da primeira escola de Erechim, a escola do professor Carlos Mantovani, existe, além da perda histórica incalculável que foi causada pelo descaso ao longo de décadas de governantes, umidade e cupins, o momento de falar de figuras de nosso município que são referência de luta e perseverança e que ao longo dos anos deram parte de si para que a edificação ficasse, o máximo possível, em pé e conservada. A casa continha, em sua estrutura, tábuas cortadas com machado, o que a colocava num patamar histórico sem precedentes.
Neusa Cidade Garcez
Entre as personalidades locais que mais se empenharam pelo local, até mesmo morando na casa por mais de 15 anos com sua família, é a professora e pesquisadora Neusa Cidade Garcez que, ferrenha nas suas convicções e lutadora assídua para a preservação dos prédios históricos locais, como a memória de nossa gente, chora pela perda e lamenta que a primeira escola de Erechim, de Carlos Mantovani, tenha chegado a este fim que como ela mesma define, irreparável.
Livro retrata a história
Em entrevista ao Jornal Bom Dia, tendo em mãos o livro de sua autoria, “Marcos do colonizador, o Castelinho e a casa”, Neusa deu um relato sobre a perda para o município e sua história, a importância da casa para ela e sua família, como relatou o passar dos anos como maior inimigo da estrutura que rompeu na semana passada com a força do vento, da umidade extrema e a voracidade dos cupins.
Antepassados
“Esta casa, além de falar muito o meu coração pessoalmente, ela fala ao meu espírito de pesquisadora, de amante da história, de apaixonada pela preservação daquilo que já foi vivido. A valorização do feito dos nossos antepassados. Se tivermos consciência sobre tudo que foi construído, teríamos um grande abraço à memória de nossos antepassados. O que falta em nossa sociedade é o respeito àquilo que já foi e que foi vivido, pois estamos nos tornando seres mecanizados. A contemporaneidade está nos tornando seres frios”, lamenta.
Nesta sua caminhada de resgate histórico, Neusa lembra o quanto chorou juntamente com os pioneiros de Erechim quando relatavam a sua história. “Uma luta detalhada nos artigos que escrevi ao longo dos anos”.
Professor Mantovani
Para Neusa não se pode trabalhar a história com irresponsabilidade antes da criação de qualquer narrativa. “O testemunho é fundamental, pois não podemos inventar da nossa capacidade de escrever”, alerta.
Carlos Mantovani veio para Erechim com sua família quando não tinham mais condições depois de andar muito pelo Rio Grande do Sul. “Nas colônias velhas não haviam mais terras e todos os imigrantes tinham muitos filhos e precisavam trabalhar nas terras e, para tanto, eram feitas as divisões. A primeira vez que Carlos Mantovani esteve em Erechim foi em 1914, momento em que sonda o ambiente para aquisição de um terreno, volta em 1916 e compra o lote de número 01 e constrói a sua escolinha que possuía uma mesa rústica, alguns bancos mais rústicos ainda. Fez a primeira parte da casa, ou seja, ela foi construída em duas etapas”.
Quadro negro
Em uma peça Professor Mantovani colocou um quadro negro para ministrar as aulas. “Ele era muito inteligente em todo o processo, mandava vir tinta nanquim do Rio de Janeiro. É importante lembrar o que ele semeou aqui em Erechim, pois ele é um ícone de nossa colonização Todo Erechinense deveria sentir orgulho, uma preservação como uma joia”.
Neusa lembra que Carlos Mantovani dava aulas com o uso de lampião, se preocupava com os seus alunos que tinha que ter uma educação primorosa. “Ele usava uma palmatória com furos o que deixava marca na mão dos alunos quando cometiam alguma falta. Se uma cidade tem consciência, não pode estar voltada somente para o ter e para as grandes edificações. Erechim foi sempre elogiada no início de uma colonização que deu certo, sem formar guetos sociais, foi um orgulho a maneira da construção da colônia de Erechim que depois gerou outros tantos municípios”.
Família
“Nesta casa nós moramos muitos anos, pois me considerava inteira, eu tinha uma família, um suporte de pai e mãe e irmãos. Foi ali que planejava ser uma grande pesquisadora e professora e mais que tudo, uma educadora. Poder caminhar com meus alunos e mostrar o que tem qualidade dentro de uma sociedade. Meus sonhos iam crescendo e meu pai trabalhava junto comigo na preservação da casa. Pintávamos, implorávamos por uma taboa. Quando ainda não era concursada e ganhava aquele pequeno salário como professora, juntava recursos e pintava a casa, pois ela era a minha casa e que sabia mais do que tudo o que ela representava, ou seja, todo o sentido histórico que ela tinha. Ali morreu meu pai em um quarto”, lembra com tristeza.
Importância histórica
Neusa lembra a estrutura interna da casa, destacando o sobrado e a sua importância para as famílias da época. “Tudo está no livro que foi medido com seriedade por profissionais que me ajudaram, pois o historiador escolhe o seu objeto de pesquisa e nem sempre dá para falar as verdades e dizer o que sabemos. Ao deixarmos a casa pude acompanhar sua deteriorização, pois a presença humana mantém o ambiente sadio”.
91 anos
Carlos Mantovani iniciou as aulas no ano de 1917 e quando tinha 25 anos de idade viu que a cidade estava crescendo, começou a pleitear por um grupo escolar que foi colocada em outra casa. “Um local que eu nunca vi, nem existem fotos próximo a Câmara de Vereadores. Se aposentou com 45 anos de magistério e faleceu com 91 anos. Somente com seu nome a cidade já tinha que ter respeito e fazer tudo, principalmente pelo valor que esta casa tem. Nós não temos museu nem casas de cultura. Para um município que tem a classificação econômica que possui é importante o ter e não o ser, que será das futuras gerações. O que vamos mostrar para nossos visitantes em uma cidade de colonização italiana que não tem nada para mostrar? Lutei demais para preservar a casa de Carlos Mantovani”, finaliza.